quinta-feira, 10 de abril de 2014

A fé de um homem que moveu montanhas

Hoje é, inevitavelmente, um dia triste para quem, assim como eu, tem suas origens em São Roque do Canaã, pois há exatos 32 anos perdemos nosso mais ilustre conterrâneo: José Regattieri.
Falo dele com tanto afeto que muitos podem pensar que eu o conheci ou convivi com ele. Mas, não. Nunca vi esse homem. Acontece que o destino colocou a história dele no meu caminho e fui privilegiada com a possibilidade de transformar em livro a história de vida dele e tudo que ele fez pelo nosso lugar.
Lembro que cresci ouvindo que, no dia enterro dele, o céu estava super azul, com um sol muito forte e, ao chegar no cemitério, caiu uma chuva inesperada. O povo do lugar diz que até o céu chorou por ele.
Abaixo coloco algumas partes do livro que mostram um pouco a importância dele para todos nós!!!


"Ele foi o primeiro e único amor da minha vida. Nunca pensei em outro homem. É só ele. Era ele vivo e é ele morto.” É com essas palavras que Alda Simonassi Regattieri, que foi casada com José Regattieri e teve sete filhos com ele, começa a lembrar-se dos tempos antigos. Hoje, ela mora em Vitória, mas, quando residia em São Roque, estava com a casa sempre cheia de visitas. O pensamento dos dias atuais ao voltar para a cidade em que viveu é único: “Será que fui eu que passei aquilo tudo?”.

No livro ela conta com exclusividade sobre o falecimento do marido:

"Meu marido não estava bem. O Primo Lamborghini mediu sua pressão e falou que estava boa. Ele foi deitar e eu pedi para a empregada dar uma olhada nele. Ela voltou falando que ele estava caído e eu dei um esporro achando que era brincadeira, corri e vi que ele estava no chão do banheiro. Sacudi e vi que estava morto."

A música de Tião Nunes

 Sebastião Nunes, músico reconhecido em São Roque, conta que José Regattieri pediu que ele fosse até sua residência com o violão para tocar. Nunes tocou enquanto Regattieri ouvia tudo deitado no sofá, admirado. O idealizador do teatro levantou a mão e fez um sinal com o dedo, indicando aprovação e disse: “Você é dez, Tião”. Outro pedido de José foi que Tião tocasse em seu enterro e ele realizou o pedido do amigo.

Admiração que vai além do tempo

Carisma, fé, determinação são qualidades que Fernando Arrigoni vê na figura de José Regattieri:

“Olhem quem ele trouxe para São Roque. Ninguém menos que Fernanda Montenegro”. E nem o tempo que o separa daquela época nem a distância de São Roque diminuem o tom ora nostálgico ora entusiasmado quando se refere ao mais ilustre filho da terra. 

"Tenho vários familiares enterrados no cemitério de São Roque. Mas, se existe um túmulo que eu não sou capaz de passar sem parar e reverenciar é o de José Regattieri, por tudo aquilo que ele representou para mim, embora eu não tivesse uma noção crítica na época, porque ele foi um autêntico guerreiro."

Fernando nasceu em São Dalmácio, que hoje é distrito de São Roque. O pai era um pequeno agricultor, pai de 14 filhos. Seus irmãos mais velhos sempre fizeram cursos na Escola Agrotécnica Federal de Santa Teresa (atual Instituto Federal do Espírito Santo – IFES). Os mais novos estudaram graças a José Regatieri, porque, na época, ele fundou o ABC (Associação Beneficiente e Cultural) e, por causa disso, os pais conseguiram colocar os irmãos mais novos para estudar. Na opinião de Arrigoni, o grande milagre de Regattieri foi pegar aquelas “massas brutas”, que eram as pessoas da comunidade, e fazer o espetáculo. Embora São Roque tenha sido reconhecido devido ao teatro, o mérito não pode ser atribuído a alguém que não seja José Regattieri.

"Eu sinto a presença dele em todos os lugares de São Roque. Se vou à igreja, vejo o José Regattieri, porque ele era atuante lá; se vou ao cemitério, tem a catacumba dele; se estou nessa cidade, eu vejo todo o lugar do Calvário. É automático: quando eu penso em São Roque, penso em José Regattieri."

Para ele, o teatro trouxe vantagens para o lugar, mas para Regattieri pode não ter sido tão glorioso. Sobre a morte do autor do teatro, Arrigoni é bem enfático, dizendo que o fato de ele ter morrido na Semana Santa não é uma mera coincidência, porque “ninguém veio nesse mundo à toa e nada acontece por acaso”.

José Regattieri se vai, e com ele finda uma época


Emocionada, Ana Marta Lamborghini fala com tristeza das consequências da morte de Regattieri para São Roque.

"Para mim, a morte dele representou o fim de uma época. No enterro do seu José eu me vesti de Maria, o Ermyr de Jesus, o Doval e o Paulo Henrique Bolsoni de jogadores do Flamengo e tinha um cavaleiro também. Foi um pedido da dona Alda, esposa dele. Ela que escolheu o vestido para eu usar. Segundo ela, era um desejo dele e realmente essa roupa ficou comigo. Eu me senti muito triste ali. O enterro teve os personagens, hino do Flamengo e foi um dos sepultamentos mais lindos que eu já vi."


Cidadão presente 

José Regattieri fundou a Associação Beneficiente e Cultural (ABC) de São Roque, que oferecia consultas médicas às quintas-feiras; montou o primeiro time de futebol do lugar; requereu junto ao governador do Estado, Christiano Dias Lopes Filho, a quinta, sexta, sétima e oitava séries do ensino fundamental, o que não havia nas escolas da região; reivindicou a instalação de telefone e água tratada nas residências e lutou pelo asfalto na estrada que liga Santa Teresa a São Roque.

Infelizmente, ele não conseguiu ver a realização de todos os seus objetivos. Sem dúvida, foi um homem que viveu décadas à frente do tempo dele, lutando por melhorias para a população.

Quem foi, afinal, José Regattieri? 

José Regattieri foi seminarista e chegou a pensar no nome que adotaria quando fosse ordenado padre (Padre Germano), conforme a tradição de sua ordem religiosa. Antes, porém, prestou Serviço Militar chegando à patente de Reservista de 1ª categoria. Deixou o Exército e foi para o seminário. Depois disso, voltou a São Roque, indo morar em um lugar chamado Picadão. Comprou um terreno e aí viveu até mudar-se para a sede de São Roque, abrir comércio e iniciar o teatro.




Em entrevista ao jornal A Tribuna de 04 de abril de 1982, intitulada “A solidão de São Roque, este ano com a praça vazia”, José Regattieri disse que ao longo de 20 anos de apresentação, a Praça da Matriz recebeu mais de 250 mil pessoas. Só no filme, foi necessária a participação de 400 personagens. Na primeira apresentação, a cena da “Condenação de Jesus” teve cerca de três mil espectadores. No segundo ano, mais de quatro mil pessoas assistiram a “Última Ceia” e, em 1963, quando foi encenado o “Nascimento de Cristo”, o público passava de cinco mil pessoas.

A sequência de apresentações foi rompida em 1979, devido às fortes chuvas que caíram no Estado. No retorno, em 1980 e 1981, estima-se que mais de 15 mil pessoas tenham assistido ao espetáculo. José Regattieri criou mais de 100 cenas, apresentadas para o público, que incluíam mímicas, já que ele narrava a maioria delas. Na sonoplastia, incluía músicas eruditas. Este homem sonhou tão alto, que conseguiu divulgar o filme na Suécia, Itália e Vaticano.

A matéria cita com clareza os motivos pelos quais o teatro não foi realizado em 1982:

“Na Praça da Matriz estão sendo feitos os serviços de água, esgoto e calçamento. A praça e a frente da Igreja estão completamente tomadas por areia e pedras, impossibilitando a movimentação das pessoas. Segundo Regattieri, os serviços estão bastante atrasados, quando já deveriam ter terminado. Um outro grande problema para que não haja a apresentação são as constantes chuvas que estão caindo no Vale do Canaã, não permitindo o tráfego nas estradas. Se continuarem as chuvas, a principal estrada de São Roque, a meio caminho entre Santa Teresa e Colatina, fica completamente intransitável. Também devido às chuvas, não foi realizado nenhum ensaio, mas José Regattieri garantiu que com apenas quatro ou cinco ensaios pode apresentar.”

Um mês depois da entrevista, José Regattieri faleceu.

Fernanda Montenegro fala... 

“Quando fui chamada para ir a São Roque, me informaram que o diretor do filme era um ex-padre [sic], que fazia um teatro muito famoso da Vida de Cristo havia muitos anos com atores populares. E eu vi no José Regattieri um empenho religioso grande. Tinha um fervor em divulgar a doutrina religiosa. Na minha opinião, ele queria cumprir sua missão e sua vocação. Ele sentia uma espécie de tributo a Deus."

A atriz ainda faz um apelo especial para os moradores de São Roque. Ficou curioso? Que tal ler o livro todo?